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O Rio de Janeiro nas comemorações da Proclamação da República

Sede do vice-reinado, capital do Império português, do Império brasileiro e da República, o Rio de Janeiro foi objeto de incontáveis registros artísticos nos quais cidade e natureza sempre estiveram entrelaçadas. A partir da segunda metade do século XIX, com o advento da fotografia, seus espaços naturais e construídos passaram a ser escrutinados e a figurar como lugares privilegiados no trabalho de variados fotógrafos. A primeira fotografia feita no país teve como objeto a cidade do Rio de Janeiro. O daguerreótipo, capturado em 1840 apenas um ano após a invenção do método de fixação de imagens, retratou o Paço Imperial e seus arredores.

 

No final do século XIX, a cidade do Rio de Janeiro, então com pouco mais de meio milhão de habitantes, sediou a Proclamação da República e assistiu às diversas transformações ocorridas na esfera pública com o estabelecimento do novo sistema político-institucional e as instabilidades dos seus primeiros anos. O novo regime encontrou a cidade com feições ainda marcadamente coloniais e uma população numerosa que contava com infraestrutura deficiente, apesar dos investimentos paulatinamente realizados nos sistemas de abastecimento de água, esgoto, iluminação pública e transporte coletivo.

 

A mancha urbana se espalhou em direção aos bairros de Botafogo, Glória e Catete ainda na primeira metade do século XIX. Em suas últimas décadas, a implantação dos serviços de bondes e de trens expandiu de forma acelerada a ocupação das áreas em direção à Zona Sul e aos subúrbios, respectivamente. A maior parte da população, todavia, continuava a habitar o centro da cidade. Os cortiços se multiplicaram, sendo uma modalidade de habitação muito popular junto aos setores mais empobrecidos

 

A cidade também foi palco de um conflito considerado um dos primeiros de grande porte após a Proclamação da República: a Revolta da Armada. O almirante Custódio de Melo já comandara, em 1891, uma sublevação da esquadra nacional contra o governo do marechal Deodoro da Fonseca, forçando-o a renunciar à presidência da República. O marechal Floriano Peixoto, vice-presidente, assumiu em meio às tensões com a Marinha e, diante de sua recusa em convocar eleições, nova sublevação foi deflagrada. O conflito ocorreu entre 1893 e 1894, mobilizando a maior parte da esquadra brasileira. Os canhões dos navios de guerra, ancorados na Baía de Guanabara, foram apontados para a cidade, que permaneceu sitiada durante seis meses. Durante a revolta, fortificações localizadas no Rio de Janeiro e em Niterói foram atingidas, e a população da cidade necessitou ser evacuada.

 

O fotógrafo

Juan Gutierrez de Padilla, fotógrafo espanhol naturalizado brasileiro, chegou ao Brasil vindo da cidade do Porto, em Portugal, onde possuía um respeitado ateliê fotográfico. Recebeu de d. Pedro II o título de fotógrafo da Casa Imperial” em agosto de 1889, poucos meses antes da Proclamação da República. Trabalhou na Fotografia União e, a partir de 1890, passou a integrar a sociedade anônima Companhia Fotográfica Brasileira. Em 1892 abriu uma nova firma, a J. Gutierrez. O fotógrafo era um republicano e, no Rio de Janeiro, era em seu estúdio que recebia os líderes do novo regime para serem retratados. Em seu círculo social e profissional, figuravam o abolicionista José do Patrocínio e o jornalista Artur Azevedo. Empresário, além de fotografar e comercializar vistas da cidade, também comerciava equipamentos fotográficos.

 

Gutierrez foi tenente e, depois, capitão da Guarda Nacional, chegando a atuar no Regimento de Cavalaria durante a Revolta da Armada, a qual igualmente fotografou por encomenda do Exército brasileiro. Combateu como voluntário na quarta expedição militar contra Canudos, embora qualquer imagem do conflito porventura produzida por ele não tenha sido localizada até hoje. Gutierrez faleceu em 1897 durante aquela campanha.

 

Na produção de registros do Rio de Janeiro, Gutierrez percorreu caminhos trilhados por outros fotógrafos e artistas, assim como iluminou aspectos da cidade até então pouco retratados, o que fez com que seu trabalho colaborasse para forjar um repertório de imagens fotográficas da cidade. A qualidade técnica da sua obra foi reconhecida tanto por seus contemporâneos quanto posteriormente, por estudiosos da história da fotografia no Brasil.

 

O álbum

Recordação das festas nacionais: novembro de 1894 é o título do álbum de fotografias produzidas por Juan Gutierrez e organizadas por ocasião do quinto aniversário da Proclamação da República. Integrante do fundo Floriano Peixoto, custodiado pelo Arquivo Nacional, foi oferecido ao vice-presidente pela Comissão Militar dos Festejos do Quinto Aniversário da Proclamação da República.

 

O álbum é aqui exibido em sua totalidade, de forma a preservar o encadeamento de imagens pretendido pelos seus organizadores. A sequência de fotografias mostra as diversas comemorações realizadas por ocasião das festas nacionais, ao mesmo tempo em que constitui um percurso pela cidade do Rio de Janeiro. Esse passeio recria os espaços públicos consagrados durante o período do Império, apresentando-os a partir do olhar do novo regime.

 

O Estado republicano está presente em todas as imagens, convocando quem folheia o álbum a um percurso pela cidade do Rio de Janeiro que se inicia pelo Arco do Triunfo, continua com um piquenique no Corcovado e se desdobra por edificações administrativas, embates militares e espaços naturais. O Campo d’Aclamação, nome que não era mais o oficial desde 1890, é preservado pelos organizadores do álbum. Nada menos que a aclamação de dois imperadores ali ocorrera, assim como a Proclamação da República.

 

O Largo do Paço, onde a família real portuguesa se estabeleceu quando de sua chegada, e suas imediações, ocupadas por objetos arquitetônicos fortemente associados à família real portuguesa e à família imperial, como o Convento do Carmo e variadas igrejas, são revisitados no álbum. Figuram dominados pela estátua do general Osório, fotografada por Gutierrez primeiro em suspense, ainda coberta antes da inauguração, e depois descoberta, cercada pela multidão, e mais uma vez em close, em enquadramento vertical que confere caráter majestoso ao objeto.

 

Nas imagens do álbum, alguns elementos da geografia se repetem: montanhas, vegetação e mar são fotografados, confirmando-os como símbolos da cidade e exaltando a natureza tropical. A vegetação disciplinada do Jardim Botânico ou bucólica dos caminhos do Corcovado dialoga com a multidão ordeira presente nas solenidades cívicas ao ar livre e contrasta com a natureza que emoldura momentos de ruptura como os das imagens da Revolta da Armada. O jogo visual igualmente se faz presente nas fotografias em que a natureza se contrapõe à cidade construída, esta última se impondo sobre a primeira.

 

Juan Gutierrez retratou o Rio de Janeiro no momento imediatamente anterior às obras de remodelamento que iriam alterar de maneira profunda sua paisagem. As fotografias são principalmente panorâmicas, enquadramento que permite sugerir grandiosidade àquilo que é fotografado. Outras empregam o enquadramento vol d’oiseau, escolha recorrente nas gravuras dos viajantes que aportaram à cidade durante o século XIX. O álbum entremeia registros que o fotógrafo produziu sobre os festejos do quinto aniversário da Proclamação da República com outras imagens, numeradas, que faziam parte de seu catálogo – a cidade já era objeto das lentes de Gutierrez – e, possivelmente, já estavam prontas antes dos festejos.

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