A região do Tapajós
O processo de ocupação da região do Tapajós foi lento e gradual, e se estendeu da primeira metade do século XVII ao início do século XX. Contudo, os vestígios da área sugerem que a região foi densamente povoada. A partir dos relatos de viajantes no período da expansão colonial, observou-se a dinâmica preexistente das relações de troca entre grupos indígenas diferentes e que se ampliaram em contato com os colonizadores, estabelecendo-se, assim, uma complexa rede de interações entre esses grupos e, posteriormente, com os estrangeiros.
Relatos de viajantes, missionários, administradores coloniais descreveram a existência de vários grupos assentados nas margens sul e norte do rio Amazonas. Os Tapajó e Konduri são retratados como dominantes na região, os primeiros em Santarém, e os Konduri residindo na região do Nhamundá-Trombetas. Esses grupos sofreram um importante colapso demográfico com a colonização europeia e foram mencionados pelo naturalista Carl Friedrich Philipp von Martius como extintos no início do século XIX. Porém, segundo Jonathan Hill, pensar na extinção completa desses grupos não deixaria de ser uma visão essencialista de suas identidades, pois os séculos de colonização foram seguidos por fenômenos de etnogênese definidos como “a adaptação criativa dos povos indígenas frente a uma história geral de mudanças violentas”.
Tendo como ponto de partida a foz do rio Tapajós, onde com certeza os Tapajó habitavam, provavelmente chegaram na direção norte até Alter do Chão; ao sul até Itaituba, no próprio Tapajós; a leste até o rio Jaracú, afluente do baixo Xingu; e a oeste até a serra de Parintins, no atual estado do Amazonas. Sua expansão territorial até meados do século XVII, época da instalação do elemento branco, seria de aproximadamente 180 km2.
Foi de frei Gaspar de Carvajal, integrante da expedição de Francisco de Orellana que alcançou o rio Amazonas, em 1542, a a informação mais remota sobre esse grupo indígena. Em 1639, chega ao rio Tapajós a primeira excursão portuguesa capitaneada por Pedro Teixeira, da qual participou frei Cristobal de Acuña, que encontrou as margens desse rio habitadas pelos “Tapajoses”. Em 1650, frei Laureano de La Cruz subiu o rio Tapajós e, novamente, informou sobre uma aldeia localizada na foz do rio e outra mais em cima, em uma praia que se presume sejam Santarém e Alter do Chão.
Entre os viajantes dos séculos XVII e XVIII, destacam-se dois missionários da Companhia de Jesus: os padres João Filipe Bettendorff e João Daniel. O primeiro jesuíta, em sua missão pelo Maranhão e Pará, descreveu os aspectos do meio ambiente, a abundância de materiais na natureza para a confecção de cerâmica e produção de panelas, além de relacionar as etnias Tapajós, Urururucus, Carossirazes e Quaxinazes. O segundo missionário, que percorreu Amazonas e Pará, também relatou detalhes da fauna, da flora e dos recursos minerais, e fez referências à técnica do manuseio da argila entre os grupos indígenas e à confecção dos mais variados objetos.
Ainda no século XVIII, em 1768, o vigário-geral da província do Rio Negro, José Monteiro de Noronha, registrou que, no trecho encachoeirado do Tapajós, as suas terras ainda eram povoadas de muitas nações de índios infiéis, das quais as mais conhecidas são Tapakurá, Cararí, Maué, Jacaretapiya, Sapupé, Hiauahim, Urupá, Suarirana, Piriquita, Uarapiranga e “Maturucu”, primeira menção escrita aos Munduruku.
Do século XIX, os dados mais significativos estão presentes em documentos e textos de viajantes como o naturalista Walter Bates, que percorreu o Pará, o geógrafo Henri Coudreau, que viajou pelo território do Pará e do Amazonas, e o casal Louis Agassiz e Eliza C. Agassiz, que esteve no Amazonas, Pará, Rio de Janeiro e Ceará. O cientista Alfred Russel Wallace enveredou pelo Pará e Amazonas, e o naturalista Domingos Soares Ferreira Penna realizou expedições no Pará e no Mato Grosso, e ainda fez descrições da cerâmica paraense, destacando a argila como matéria-prima e chamando a atenção para outros aspectos, como composição, formato, funcionalidades, dimensões e até colorações criadas com a própria argila. Desses viajantes, Walter Bates, Henri Coudreau e o casal Agassiz não fazem referência à produção ceramista, mas sim às condições ambientais favoráveis à coleta da argila. Alfred Russel relatou sobre o uso do caraipé na fabricação de potes no país e a presença de outros antiplásticos para o manuseio da cerâmica.
No início do século XX, entre 1923 e 1926, destacam-se as pesquisas do etnólogo Curt Nimuendaju, que registrou 65 sítios arqueológicos situados ao sul de Santarém, nas áreas de Alter do Chão, Samahuma e Arapixuna, ao sul do Lago Grande de Vila Franca, e na margem direita do Amazonas, entre o Lago Grande de Vila Franca e o Arapixuna. Entretanto, pesquisas mais recentes encontraram evidências de que os limites da cultura Santarém podem se entender mais 230 km ao sul.